terça-feira, maio 15, 2007

Hipocrisia Social

A corrente de solidariedade e as recompensas astronómicas dadas por várias figuras públicas, meios de comunicação social e empresários a quem souber informações sobre o desaparecimento da criança inglesa Madeleine fez-me pensar sobre o estado da nossa sociedade.

As pessoas não ficam chocadas com os milhares de crianças que morrem à fome em africa, não as vejo a desembolsarem um cêntimo para as ajudar. Eu participo no projecto País Protectores (link está neste blog) e com uma média de 20 euros por mês (240 euros por ano) pago a alimentação, a roupa e a educação de uma criança africana residente em Moçambique e ainda consigo benefícios fiscais no meu IRS. Imaginem a quantidade de pessoas que se poderia ajudar com os 4 milhões que são oferecidos. Podíamos garantir a existência a 16.000 crianças durante 1 ano.

Então surge a questão: Porque é que estes 4 milhões não vão para quem precisa? Eu encontro duas respostas para a questão formulada.

1) Este caso está a ser muito mediático, abre todos os dias os jornais televisivos, quer nacionais, quer estrangeiros (não só os ingleses). Aparecer como benfeitor neste caso dá mais projecção do que ajudar crianças africanas ou asiáticas. Se uma destas figuras públicas fizer uma doação para estas causas, poderá eventualmente aparecer uma vez num noticiário, mas nunca apareceria na abertura do telejornal, nem sequer teria projecção internacional. De entre os bons samaritanos conta-se J.K. Rowling, Wayne Rooney, Philip Green, Richard Branson, figuras que beneficiam com esta projecção, serem reconhecidos como pessoas preocupadas e éticas é bom para os seus interesses pessoais. Na verdade podiam manter-se anónimos, mas não o fizeram, se calhar há alguma razão. Eu não desejo mal nenhum à menina desaparecida, nem é disso que trata este artigo, mas fico chocado e triste com estas situações, não nos preocupamos com os nossos vizinhos que passam fome, não ajudamos quem realmente precisa, gastamos imensos recursos com situações como estas, somos capazes de nos mobilizar, de ir bater o terreno à procura de pistas, mas se hierarquizamos as coisas certamente que este caso não aparece no topo das prioridades.

2) A minha segunda explicação reside no facto do continente africano e asiático ficarem distantes, e os seus padrões de vida e culturais serem diferentes dos ocidentais. É mais fácil nos identificarmos com uma família da classe média / alta que vai passar férias ao Algarve do que com uns pobres coitados que nem sequer têm dinheiro para sobreviver e que não sabem o significado da palavra férias. O sofrimento destes pais é mais facilmente captado pela população porque existe inúmeras afinidades, não temos casa de férias do Algarve, mas já fomos, pelo menos uma vez, passar lá férias. Este sentimento de pertença a um mesmo grupo mobiliza as pessoas (pelo menos algumas), mas temos que ter o discernimento de separar as situações e saber quando podemos estar a ser traídos pelas nossas percepções.

O que eu proponho é uma reflexão séria sobre este caso e consciencializar as pessoas sobre outras situações injustas que existem neste mundo tão desigual. Não quero pregar falsas moralidades, porque também eu posso fazer mais do pouco que faço pelos outros, mas fico revoltado com toda esta projecção e com todo este empenho associado a este caso, que se baseia no mediatismo e nos interesses de alguns.