quinta-feira, março 22, 2007

Aonde está a Autoridade Moral ?

Londres: Presente, Passado, Que Futuro?

Devo confessar que a ideia que eu tenho da Inglaterra não é das melhores. Desde cedo (desde que comecei a estudar história na escola) fiquei com a ideia que nunca fomos beneficiados nas relações que mantivemos com este país, falo nomeadamente do Tratado de Methuen e do Últimato Inglês.

O Tratado de Methuen foi assinado em 1703. Segundo este acordo comercial, os portugueses comprometiam-se a consumir os tecidos ingleses e a Inglaterra a consumir os vinhos de Portugal. Este acordo bilateral surgiu na época da revolução industrial, prejudicando o processo de industrialização nacional. Para além de termos iniciado este processo mais tarde, começando com uma desvantagem estrutural, a entrada dos têxteis ingleses sem pagarem as taxas alfandegárias devidas, implicou que qualquer tentativa encetada no sentido da industrialização ao nível deste sector fosse um fracasso. Inteligentemente, os ingleses através deste acordo conseguiram um enorme desenvolvimento, já que tiveram acesso a um vasto mercado que naquela altura não se resumia a este espaço de terreno à beira-mar plantado de 10 milhões de habitantes. Portugal ficou desde logo confinado a uma especialização no sector primário.

Mais tarde surge outro facto histórico, não sob a forma de tratado, mas sim de últimato. Estávamos em 1890 e os ingleses ameaçaram os portugueses para a retirada das forças militares existentes no território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola, no actual Zimbabwe. A zona era reclamada por Portugal, que a havia incluído no famoso Mapa cor-de-rosa, reclamando a partir da Conferência de Berlim uma faixa de território que ia de Angola a Moçambique. Houve manifestações públicas de grande indignação e Basílio Teles (professor e escritor de época) escreveu mesmo que "este dia valeu séculos e anuncia um futuro perturbante", atribuindo a humilhação "à incapacidade e cobardia dos governos do regime". Muitos factos foram despoletados por este incidente histórico, tais como a queda da monarquia em 1910 e a criação da Portuguesa, futuro hino nacional, que na sua versão original aclamava “Contra os bretões, marchar marchar”.

Estes dois acontecimentos históricos vieram à minha memória quando tive a oportunidade visitar Londres, mais propriamente o British Museum. Neste museu encontra-se um espólio de obras de todo o mundo, desde a antiguidade clássica até aos nossos dias, de todos os cantos do mundo. O que mais me chocou foi ver totalmente descontextualizadas obras impressionantes, vi sarcófagos egípcios, múmias, esculturas gigantescas, vasos romanos e gregos perfeitos, mas o que mais me chocou foi ver a parte frontal de um templo, que foi desmanchada literalmente às peças, para depois ser reconstruída e colada com uma espécie de fita cola. Não sei o argumentario utilizado para possuírem tal património que efectivamente não lhes pertence, que a mim me fez lembrar os negócios falhados e totalmente despropositados realizados com Portugal. Sabemos que estes tesouros são reivindicados pelos respectivos países originários, mas as autoridades inglesas fazem ouvidos de mercador. Eu se fosse Italiano ou Egípcio, só para referir 2 povos, sentia-me bastante indignado com esta situação, não dá para entender esta apropriação indevida, que pode levar ao aparecimento de comportamentos extremistas de repulsa perante uma nação. Esta visita fez-me pensar de uma forma séria sobre o problema do terrorismo, não quero legitimar comportamentos agressivos, tanto mais que sou totalmente contra a violência, mas existem valores que nos são transmitidos desde crianças, como o amor à pátria e o respeito pelos símbolos nacionais. Será que países democráticos devem continuar a mostrar abertamente anos e anos de saque e de massacre sobre outros povos? Parece que estamos a defender a liberdade, o direito à diferença, mas continuamos a defender a posse de símbolos da intolerância passada. Na minha opinião a beleza de Londres está na sua cidade, nos seus museus legitimados pela sua cultura, no seu sistema de metro, nos seus monumentos, nos seus espectáculos, na sua história, no seu mercado financeiro etc.…

Todos os povos gostam do seu país, seja ele rico ou pobre, todos independentemente da nacionalidade queremos ver o nosso país projectado no mundo, gostamos do que é nacional. Culpamos facilmente a história e os nossos governantes da menor importância do nosso país no mundo, sentimos os fracassos históricos e enaltecemos as vitórias, concluindo a história é a nossa cultura, não precisamos de ver o roubo e o saque expostos em museus. Tal como eu me lembrei do Tratado de Methuen e do Últimato Inglês, acredito que outros povos se lembrem de outros acontecimentos, pois mostrar com grandiosidade o que não nos pertence não está certo.